Uma crise econômica nunca é só uma crise econômica. Dificuldades e problemas financeiros, seja a nível micro ou macro, sempre trazem consigo efeitos que impactam diferentes setores do mercado. Em momentos de recessão, o comportamento dos cidadãos sofre consequências: os gastos com itens supérfluos, que antes eram tido como “garantidos”, de repente cessam ou reduzem drasticamente – e, assim, novos comportamentos, interesses e necessidades são criados. É por isso que, nos últimos 3 anos, cientistas políticos, economistas, sociólogos e afins têm se debruçado sobre os efeitos da pandemia do Covid-19 e na mudança no consumo com a crise.
Entretanto, essa não é uma crise comum. Muito além das consequências econômicas e sociais, nossa psique foi afetada por meses a fio de isolamento e nos distanciamos até mesmo de quem fazia parte da rotina. Não é cedo para dizer que as dificuldades para mensurar os impactos que o isolamento social teve na vida de milhões de pessoas são grandes, mas é possível constatar um fato: a pandemia de Covid-19 pode ter alterado profundamente a forma como nos enxergamos e nos relacionamos enquanto espécie – e isso, você já sabe, se reflete nos comportamentos de consumo.
Por isso, mergulhamos nos dados e insights da Similarweb, para compreender o landscape que está se reafirmando (ou não) no momento de pós-pandemia, enquanto ainda enfrentamos uma crise na economia brasileira.
Endividamento da população
Sim, as pessoas realmente estão endividadas: em 2022 foram 78% das famílias com dívidas, o maior índice desde 2010. A crise econômica do Covid-19 + o desejo por viver todas as experiências que foram deixadas de lado durante o isolamento são as causas mais comuns dos problemas financeiros enfrentados nos lares brasileiros.
Para sair do vermelho, o empréstimo é um dos maiores interesses. Ao pesquisarmos pela palavra “empréstimo” na Similarweb, verificamos que o volume de visitas advindas dessas buscas foi de 393.965, sendo 95% de forma orgânica, ou seja, pessoas deliberadamente procurando por empréstimos online.
Fonte: Similarweb PRO.
No ranking de termos relacionados a empréstimo, notamos o FIES, programa do MEC que financia cursos superiores a estudantes, e o PIS, programa que confere ao trabalhador o direito de um abono salarial todos os anos. Com isso, a pessoa pode retirar uma quantia em dinheiro para pagar dívidas, empreender ou até mesmo investir na bolsa de valores, se assim preferir. Ou seja, os cidadãos brasileiros estão tentando de várias formas ter dinheiro para honrar suas dívidas e suas necessidades.
Fonte: Similarweb PRO.
Já em relação ao setor de crédito e empréstimos, verificamos uma maior representatividade do público de 25-34 anos, faixa etária composta em grande maioria por jovens recém formados e em início de carreira.
Fonte: Similarweb PRO.
E repare nos termos que mais cresceram nas buscas no último ano, nesse setor. Note como as pessoas negativadas, que já devem para o banco, precisam de mais empréstimos, e como procuram serviços em que possam dar o veículo próprio como garantia para retirar esse empréstimo.
Fonte: Similarweb PRO.
A crise em outros setores
O que milhões de brasileiros que foram impactados por um isolamento social fazem? De que forma elas retornam às suas atividades anteriores? Como suprir os novos desejos e demandas? Aliás, quais novos desejos e demandas foram criados? É o que veremos a seguir, a partir de pesquisas e estudos realizados nos últimos 2 anos e dados da Similarweb.
E-commerce
Durante o isolamento social, o modo de consumir mudou drasticamente: a melhor forma de comprar era pela internet. Fomos diretamente afetados pelo consumo online, desde roupas, sapatos e maquiagens até mercado e farmácia. O e-commerce bombou e veio pra ficar – afinal, os comportamentos adquiridos durante a pandemia não serão fáceis de abandonar.
De acordo com a granularidade apresentada pela Similarweb, o maior pico de tráfego na indústria de e-commerce foi em dezembro de 2020. Apesar das oscilações, o volume de visitas é impressionante: entre 375 e 500 milhões por mês!
Fonte: Similarweb PRO.
E nos últimos meses, o e-commerce voltou a crescer, com um aumento significativo de mais de 20%. Os termos mais procurados (e que mais geram tráfego) à indústria estão principalmente relacionados a itens high tech, como o iPhone e o PS5. Além disso, é interessante perceber como a “cadeira gamer” vem mantendo sua relevância há meses – o universo gamer é uma das grandes promessas para os próximos anos, que já está se concretizando agora.
Fonte: Similarweb PRO.
É claro que a Black Friday também marcou presença no ranking: a data comercial mais aguardada do ano promove um boom nas vendas. Mas levantamos aqui uma hipótese: com o grande interesse por itens de valor mais alto (iPhone, PS5, cadeira gamer…), estariam agora os usuários dispostos a pagar mais caro por melhores experiências?
De acordo com os dados da GWI, podemos notar que os consumidores estão mais exigentes na hora da compra. Dentre os respondentes brasileiros, mais de 70% procuram o produto da internet antes de comprar e quase 60% ficam um bom tempo pesquisando o melhor negócio. Veja também que a opinião dos outros consumidores que compraram online é um fator mais decisivo do que comprar marcas que o consumidor tenha visto em anúncios.
Fonte: GWI.
Dentre os fatores que mais influenciam o consumidor do e-commerce no Brasil a realizar a compra, estão os incentivos de diminuição de preço: entrega grátis, cupons e descontos. E claro que, com o imediatismo que a pandemia desencadeou, o processo fácil e rápido de compra online faz com que seja muito mais provável da compra acontecer.
Fonte: GWI.
Lipstick Effect
O efeito batom aparece quando o dinheiro está apertado, quando o budget tem que ser mais controlado e os bens supérfluos ficam em segundo plano. As mulheres, ao invés de comprarem itens mais caros como bolsas, gastam em batons ou produtos de entrada, como perfumes de grandes marcas, para sentirem o feeling de um pequeno prazer, um jeito de continuarem comprando bons produtos, apesar do modo de como consumir ter mudado.
E por que uma marca de luxo? Porque ela fornece a emoção e o contato com a marca que o cliente está necessitando, principalmente nos tempos de crise. Então o luxo acessível torna-se um jeito de continuar com o pequeno prazer de comprar em uma grande loja, como a Dior, receber um tratamento e um atendimento exclusivos, comprando apenas um batom ou um perfume. Esse pequeno gesto promove picos de dopamina, hormônio relacionado à felicidade e ao prazer.
Um exemplo é a marca Esteé Lauder, a maison francesa, que viu suas vendas de batons aumentarem exponencialmente após a recessão de 2008.
Beauty and Cosmetics
Aqui no Brasil, o setor de beauty & cosmetics teve um crescimento de quase 33% nos últimos dois anos, saindo de uma média de 75 milhões de visitas mensais em dezembro de 2020 para 98 milhões em novembro de 2022:
Fonte: Similarweb PRO.
Além disso, todos os TOP players estão saindo da pandemia com saldo positivo no tráfego online:
Fonte: Similarweb PRO.
Porém, como essa crise foi diferente e todos se escondiam atrás de suas máscaras faciais, as vendas de maquiagem despencaram; por outro lado, as fragrâncias experimentaram um crescimento sem precedentes.
“Na ausência de poder colocar batom, os consumidores estavam migrando para as fragrâncias”, disse Jensen da NPD.
Veja como o volume de buscas por perfumes foi muito superior ao de batons na Sephora, um dos principais marketplaces de beleza.
Fonte: Similarweb PRO.
Além disso, dentro do segmento de beleza, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), o skincare teve um aumento de de 161,7% nas vendas em 2020, entre janeiro e outubro, em relação ao período equivalente em 2019. Quando as pessoas começaram a entender que a pandemia iria durar mais que o esperado, veio junto a preocupação com o bem estar e a autoestima em primeiro lugar e, consequentemente, esses itens de conforto e wellness dispararam nas vendas.
Fonte: Similarweb PRO.
Como esses produtos garantiram uma grande presença Omnichannel, conseguiram manter e crescer durante a pandemia. Uma pesquisa realizada pela agência especializada em omnichannel Corebiz aponta que, entre março e junho, as vendas eletrônicas de cosméticos registram alta de 68% em receita no Brasil, em comparação com o mesmo período de 2019. Os produtos para pele se destacaram, com crescimento de 128%. Então a combinação da tecnologia e a vontade de se cuidar para se sentir melhor em tempo de tanta incerteza, favoreceu o setor de skin care.
Automotivo
A indústria automobilística se manteve significativamente estável nos últimos dois anos, com oscilações pontuais. Em 2022, houve uma queda no volume de tráfego (e de vendas), devido às consequências da crise econômica brasileira, mas que experimentou uma recuperação no segundo semestre do ano.
Fonte: Similarweb PRO.
Perceba que, analisando período de 2022 completo, praticamente todos os grandes players da indústria automobilística perderam tráfego:
Fonte: Similarweb PRO.
Um ponto interessante de se notar é a ausência de termos relativos a modelos de carros na lista dos mais relevantes, enquanto as palavras-chave relacionadas à estética automotiva e autopeças dominaram o TOP 10, especialmente pneus e lâmpadas. O motivo? Quando não se tem recursos para um novo automóvel, comprar acessórios e melhorar o carro que já está na garagem é a melhor opção, certo?
Fonte: Similarweb PRO.
A nível mundial, os dados da Similarweb revelam que todos os websites do TOP 10 que cresceram seu tráfego online no primeiro semestre estavam relacionados a produtos e serviços de manutenção de carros.
Fonte: Similarweb PRO.
Mas isso não é tudo: para quem teve como e não abriu mão de trocar de carro, o caminho foram os carros usados. O termo “carro usado” direcionou o dobro de visitas para os sites do que “carro novo”. Ou seja, as pessoas buscaram mais pelo termo carro novo, porém acabam visitando mais sites sobre os seminovos e usados.
Fonte: Similarweb PRO.
Pensa que acabou por aí? Não, mais uma mudança no consumo por conta da crise, o aluguel de carros nunca esteve tão em alta – mas esse tópico abordaremos no setor de turismo!
Eventos & Tickets
Depois de 2 anos em pandemia, as pessoas estão sedentas para sair de casa e celebrar bons momentos. Com um fenômeno parecido com o lipstick effect para a indústria da beleza, aqui nós vemos um grande interesse por eventos sociais, que permitam contato humano e, é claro, os picos de dopamina. Não à toa, a indústria de tickets teve um dos maiores crescimentos do ano, com 56% a mais de tráfego do que em 2021: foram milhões de visitas relacionadas a ingressos de shows, cinema, teatro, circo, apresentações e eventos no geral.
Fonte: Similarweb PRO.
Como bons entusiastas de festas que somos, o Brasil é o 5º maior usuário da indústria de ingressos:
Fonte: Similarweb PRO.
Além disso, todos os principais players do país tropical experimentaram grande crescimento no volume de tráfego em 2022, alguns inclusive com um impressionante aumento acima de 2.000%!
Fonte: Similarweb PRO.
E o que o público desse enorme mercado está buscando? Segundo os dados da Similarweb, os brasileiros estão muito interessados em festivais (como Lollapalooza e Primavera Sound, que chegou agora e já conquistou muitos fãs), museu e circo, além dos tradicionais shows internacionais.
Fonte: Similarweb PRO.
Turismo
Olhando para o cenário de dados da Similarweb entre 2020 – quando começou a pandemia – e 2021, analisamos as palavras que mais cresceram no site da Gol, uma das principais players do segmento, e vemos termos relacionados à “cancelamento voo” crescendo até mais de 2.000,00% – uma situação justificada pelo isolamento e impossibilidade de viajar.
Mas, se você pensou que o setor de turismo está finalmente voltando a sorrir, você está certo! Comparado ao ano passado, o tráfego do setor cresceu 6,28%:
Fonte: Similarweb PRO.
Note também como 4 dos 5 players mais relevantes no setor de turismo experimentaram aumento no volume de tráfego de seus websites nos últimos 12 meses:
Fonte: Similarweb PRO.
Um dado interessante é a demografia de quem acessou sites de turismo em 2022. Se estávamos acostumados a ver mais homens do que mulheres viajando a trabalho e lazer, esse pode ser um ponto de ruptura: elas representaram 55% da audiência total do setor de turismo, exatamente 10% a mais que o público masculino. Em relação à idade, a faixa etária de 25 a 34 anos é a que mais busca por viagens:
Fonte: Similarweb PRO.
Agora, quais são os interesses deste público? Surpreendentemente, em dezembro de 2022 os usuários já estão pensando no Carnaval de 2023 e levaram o termo ao TOPO do ranking de palavras-chaves da indústria de turismo! Além de termos tradicionais como “passagens”, “flights” e “milhas”, o que também chamou a atenção foi o aluguel de carros.
Fonte: Similarweb PRO.
Parece que os brasileiros têm optado pela praticidade do carro alugado, seja para viajar, facilitar a locomoção no destino da viagem ou economizar a parcela de financiamento. Veja a movimentação de tráfego relacionada ao termo durante os meses de 2022:
Fonte: Similarweb PRO.
Home & Garden
Durante o isolamento, o home office praticamente substituiu o modelo tradicional de trabalho e, com isso, o conforto diário virou prioridade de investimento dos consumidores. O auge da pandemia passou e uma parte da população voltou a trabalhar presencialmente – isso também mudou todo o cenário, mais uma vez.
É notável a queda no desempenho anual do setor de Home & Garden, quando comparado ao período de 2020 a 2021:
Fonte: Similarweb PRO.
Apesar da queda na performance geral, os interesses dos usuários em 2022 relacionados a itens de escritório (vistos na primeira imagem abaixo), como “escrivaninha”, “cadeira de escritório”, “mesa de escritório” e “mesa gamer” voltaram a aumentar, em comparação com 2021 (segunda imagem). Tais dados nos levam a crer que essa oscilação foi a porta de entrada para um novo padrão de consumo a ser estabelecido: será que a partir de agora o desejo por um escritório em casa será generalizado, mesmo para quem trabalha fora? É possível que sim, pois nos últimos três anos as relações pessoais com o ambiente doméstico foram intensificadas e ressignificadas.
Fonte: Similarweb PRO.
Conclusão
Os hábitos de consumo se modificaram muito durante a pandemia de Covid-19. Não fomos afetados somente pela diminuição das receitas, em alguns setores, mas também profundamente impactados por períodos de isolamento que introduziram novos desejos e necessidades em nossos lares.
Os anos pós pandemia ainda serão anos de recuperação financeira para diversos setores, assim como de adaptação às novas demandas. As instabilidades econômicas e políticas, bem como a inflação, forçaram as empresas a se adaptar a um novo modelo de negócio online para sobreviver e, principalmente, manter relações saudáveis com os clientes durante a crise, já que “pessoas são previsíveis, indivíduos não” (GWI,2022).
O relacionamento com o cliente, inclusive, é um ponto interessante a ser analisado. Isso porque nenhuma outra crise anterior havia sido seguida por tantas restrições como as do Covid-19. A compreensão sobre o que estava acontecendo e o que viria a seguir foi abalada e, por isso, os negócios que focaram na construção de uma relação forte e empática com o consumidor ganharam sua confiança. Afinal, em um momento tão sensível, o consumidor não deseja apenas comprar, mas sentir-se pertencente e receber um tratamento empático.
Para você esse é um fator decisivo na hora das compras? Ou a “revenge shopping” e a vontade de viver e aproveitar cada segundo fez com que as suas compras pós pandemia não fossem tão planejadas? O posicionamento customer centric da marca é um dos fatores que influencia a comprar?